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O Desserviço dos Reality Shows de Cozinha: Quando a Gritaria Vira Entretenimento

Nos últimos anos, os programas de televisão dedicados à gastronomia se multiplicaram e ganharam espaço nobre nas grades de canais e plataformas de streaming. A princípio, essa visibilidade parecia ser uma ótima notícia para a valorização da cozinha e dos profissionais que nela atuam. No entanto, ao olhar mais de perto, percebe-se que muitos desses programas — especialmente os reality shows de cozinha competitivos — acabam prestando um desserviço ao setor, ao reforçar estereótipos ultrapassados e comportamentos tóxicos como se fossem parte natural e necessária da rotina em uma cozinha profissional.

Gritos, humilhações públicas, panelas arremessadas, ordens secas e um clima de constante tensão são tratados nesses programas como sinônimos de excelência e liderança. O chef que mais berra ou que mais intimida costuma ser exaltado como exigente, determinado, perfeccionista. O participante que “aguenta calado” é visto como forte e resiliente. O problema é que esse retrato não condiz com as práticas modernas de gestão de equipes, nem com os princípios de bem-estar e respeito que devem nortear qualquer ambiente profissional saudável — inclusive (e especialmente) o da gastronomia.

A Cultura do Medo Não Forma Bons Cozinheiros

Quem trabalha no dia a dia de uma cozinha sabe: a pressão existe, os prazos são curtos, o calor é alto e o ritmo é acelerado. Mas não é preciso cultivar o medo para obter bons resultados. Lideranças agressivas podem até gerar entregas de curto prazo, mas não constroem equipes leais, criativas e consistentes. Pelo contrário: o ambiente hostil gera rotatividade, esgotamento emocional, afastamentos por saúde mental e até acidentes, muitas vezes evitáveis.

Infelizmente, os reality shows de cozinha ainda romantizam esse “chef linha dura” — muitas vezes inspirado no estilo britânico ou americano — como se o sucesso só viesse por meio do autoritarismo e da gritaria. Isso deseduca aspirantes a cozinheiros, que passam a acreditar que esse comportamento é esperado, e reforça no público a ideia equivocada de que esse é o padrão aceitável da profissão.

Precisamos Mostrar Outras Referências na Gastronomia

Felizmente, há muitas cozinhas no Brasil e no mundo que funcionam sob outro modelo: com diálogo, formação contínua, liderança pelo exemplo e ambientes onde o respeito à equipe é tão importante quanto o sabor do prato. Chefs que ensinam com paciência, que corrigem com clareza e que sabem ouvir são os verdadeiros agentes de transformação do setor.

É papel de quem comunica — e de quem consome esse tipo de conteúdo — refletir sobre o impacto dessas narrativas e cobrar formatos mais responsáveis. Mostrar o caos pode até ser entretenimento, mas formar uma nova geração de cozinheiros conscientes, humanos e tecnicamente preparados deveria ser o verdadeiro propósito da gastronomia na mídia.

É Hora de Repensar o Papel da Mídia Gastronômica

É urgente repensar o papel da mídia gastronômica na formação de opinião e de profissionais. Precisamos de programas que valorizem o processo criativo, o trabalho em equipe e a escuta ativa, que mostrem o lado humano das cozinhas e inspirem boas práticas. Mostrar que é possível ser exigente sem ser abusivo, que liderança não se mede pelo volume da voz, mas pela capacidade de formar talentos e manter um time coeso, pode ser o primeiro passo para uma mudança estrutural no imaginário gastronômico — tanto nas telas quanto nas cozinhas da vida real.


Este conteúdo foi produzido por Ro Gouvêa, colunista convidada do Mundo Food Service. A autora responde integralmente pela apuração, redação e curadoria das informações aqui apresentadas.

Chef, Consultora e Empresária, especialista em Gestão de Restaurantes e Tecnologia aplicada a Alimentos e Bebidas.

Com uma trajetória sólida e multifacetada, atua diretamente no desenvolvimento de negócios gastronômicos, oferecendo consultorias estratégicas, treinamentos operacionais e palestras técnicas, voltadas para quem busca excelência na gestão e inovação no setor de Food Service.

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