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iFood Negocia Compra da Alelo por R$ 6 Bilhões: A Jogada Estratégica que Pode Redefinir o Mercado de Benefícios

O maior negócio do ano no Brasil está sendo costurado nos bastidores do mercado financeiro

Em uma movimentação que promete reconfigurar completamente o cenário de benefícios corporativos no Brasil, o iFood está em negociações avançadas para adquirir a Alelo, gigante do setor de vale-refeição e vale-alimentação, por um valor estimado entre R$ 5 bilhões e R$ 6 bilhões. Se concretizada, esta será não apenas a maior aquisição da história do iFood, mas também uma das transações mais significativas do ano no mercado brasileiro.

A operação, revelada pelo jornal Valor Econômico, representa muito mais do que uma simples expansão de negócios. Trata-se de uma jogada estratégica audaciosa que pode transformar o iFood de uma plataforma de delivery em um ecossistema financeiro integrado, ao mesmo tempo em que resolve problemas regulatórios que vêm assombrando a empresa há anos.

O Contexto: Um Mercado Bilionário em Transformação

Para compreender a magnitude desta operação, é fundamental entender o tamanho do mercado em questão. O setor de benefícios corporativos no Brasil movimenta impressionantes R$ 150 bilhões anuais, beneficiando cerca de 25 milhões de trabalhadores através do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), criado em 1976.

Historicamente, este mercado tem sido dominado por apenas quatro grandes players: Alelo, Ticket, Pluxee (ex-Sodexo) e VR, que juntos controlam aproximadamente 80% do setor. A Alelo, especificamente, detém cerca de 30% de participação de mercado, com uma receita bruta de R$ 2,9 bilhões em 2024 e mais de 6 milhões de usuários ativos.

Contudo, mudanças regulatórias recentes estão abrindo este mercado tradicionalmente concentrado. A Lei nº 14.442/22 e o Decreto nº 11.678/2023 introduziram conceitos como portabilidade e interoperabilidade, permitindo que fintechs e empresas de tecnologia entrem no setor através de arranjos abertos. Essa transformação regulatória criou uma janela de oportunidade que o iFood parece determinado a aproveitar.

A Estratégia por Trás da Aquisição

Resolvendo um Problema de R$ 5 Bilhões

Um dos aspectos mais intrigantes desta aquisição é como ela pode resolver um problema regulatório que vem atormentando o iFood desde 2021. A empresa entrou no mercado de benefícios em 2020 com uma proposta inovadora: um cartão único que permitia a transferência de saldo entre vale-alimentação e vale-refeição, além de personalização remota pelo empregador.

No entanto, essa funcionalidade se tornou uma dor de cabeça quando o Ministério do Trabalho questionou a prática, argumentando que violava uma portaria de 2002 que exigia a separação entre essas modalidades. O governo chegou a pedir a suspensão da licença do iFood no PAT, o que poderia tirar a empresa completamente do segmento.

Com a aquisição da Alelo, o iFood não apenas ganha uma licença PAT consolidada e sem questionamentos, mas também adquire uma operação que já está plenamente adequada às regulamentações vigentes. É, literalmente, comprar a solução para um problema de bilhões de reais.

Diversificação Estratégica de Receitas

A operação também se alinha perfeitamente com a estratégia de diversificação do iFood, que tem como meta equilibrar suas receitas entre delivery e serviços bancários até 2030. Atualmente, a empresa depende fortemente das comissões de delivery, que variam entre 12% e 27% sobre os pedidos, um modelo que enfrenta pressão crescente da concorrência.

Com a Alelo, o iFood ganha acesso a múltiplas fontes de receita no setor de benefícios:

  • Taxa de intercâmbio sobre transações
  • Rendimento sobre o saldo que permanece nas contas dos usuários
  • Rendimento das garantias exigidas pelas bandeiras
  • Oportunidades de cross-selling com a base existente de delivery

O Salto Quantitativo

Os números da operação são impressionantes. O iFood Benefícios, lançado em 2020, possui atualmente cerca de 650 mil usuários e processa R$ 400 milhões mensais. Com a aquisição da Alelo, esses números saltariam para mais de 6,6 milhões de usuários, representando um crescimento de mais de 900% na base de clientes.

Essa escala não é apenas uma questão de números. No mercado de benefícios, o tamanho da rede credenciada é fundamental para a aceitação pelos usuários. A Alelo possui uma das maiores redes de estabelecimentos credenciados do país, o que resolveria uma das principais reclamações dos usuários de cartões de benefícios: a falta de aceitação em estabelecimentos.

A Visão da Prosus: Construindo um Império Digital

A aquisição da Alelo se insere em uma estratégia mais ampla da Prosus, holding holandesa controladora do iFood, que tem metas ambiciosas de crescimento. A empresa pretende dobrar sua receita até 2028, saltando de US$ 6,25 bilhões para US$ 12,5 bilhões, e tem usado grandes aquisições como motor desse crescimento.

Nos últimos meses, a Prosus tem sido extremamente ativa no mercado de fusões e aquisições:

  • Fevereiro de 2025: Adquiriu a Just Eat Takeaway por € 4,1 bilhões, criando a quarta maior empresa de delivery do mundo
  • Dezembro de 2024: Comprou a Decolar por US$ 1,7 bilhão, entrando no setor de turismo online
  • Julho de 2025: Negocia a Alelo por R$ 5-6 bilhões, expandindo para benefícios corporativos

Essa sequência de aquisições revela uma estratégia clara: construir um ecossistema integrado de serviços digitais na América Latina, onde a Prosus já atende mais de 100 milhões de clientes através de marcas como iFood, OLX Brasil e Sympla.

Os Aspectos Financeiros da Operação

Valuation e Múltiplos

O valor de R$ 5-6 bilhões para a Alelo representa múltiplos interessantes quando analisados no contexto do mercado. Baseando-se na receita bruta de R$ 2,9 bilhões da Alelo em 2024, a operação está sendo precificada entre 1,7x e 2,1x receita, múltiplos considerados razoáveis para uma empresa com posição dominante em um mercado defensivo.

Para comparação, a Prosus pagou 8,2x EV/EBITDA pela Decolar, sugerindo que a Alelo pode estar sendo adquirida por um múltiplo mais atrativo, possivelmente devido à natureza estratégica da operação para o iFood.

Saúde Financeira da Alelo

Os números financeiros da Alelo justificam o interesse do ifood. No primeiro semestre de 2024, a empresa registrou lucro líquido de R$ 204,2 milhões, patrimônio líquido de R$ 751 milhões e ativos totais de R$ 8,1 bilhões. Esses indicadores demonstram uma operação sólida e rentável, com margens estáveis típicas do setor de benefícios.

A empresa também possui uma posição de caixa robusta, resultado do float gerado pelos saldos dos cartões de benefícios, que rendem juros enquanto não são utilizados pelos portadores.

A Reação do Mercado e da Concorrência

“Winner Takes All” no Setor de Benefícios

A possível aquisição da Alelo pelo iFood está sendo vista com preocupação pelos concorrentes, que enxergam na operação uma estratégia típica de “winner takes all” do mundo tech. Ao incorporar uma bandeira própria, o iFood ganha o poder de forçar uma migração em massa de usuários, simplesmente deixando de aceitar cartões de concorrentes em sua plataforma.

Essa estratégia de verticalização pode fechar ainda mais um mercado já historicamente concentrado, criando barreiras de entrada significativas para novos players e aumentando o poder de barganha do iFood junto a restaurantes e estabelecimentos.

Mobilização Antitruste

Fontes do setor indicam que a reação da concorrência não deve demorar. Caso o negócio avance, empresas como Ticket, VR e Pluxee devem se mobilizar junto ao CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e ao governo para questionar a operação por concentração de mercado.

O argumento central será que a combinação iFood-Alelo criaria uma posição dominante excessiva, prejudicando a concorrência e, potencialmente, os consumidores finais.

Desafios e Riscos da Operação

Aprovações Regulatórias

A operação enfrenta diversos desafios regulatórios que podem impactar sua viabilidade:

  1. CADE: A análise antitruste será crucial, especialmente considerando a posição dominante do iFood no delivery e da Alelo nos benefícios
  2. Banco Central: Aprovação necessária para a transferência de controle de uma instituição de pagamento
  3. Ministério do Trabalho: Validação para operação no PAT, especialmente considerando o histórico de conflitos do iFood com o órgão

Integração Operacional

A integração de duas operações de grande porte sempre apresenta riscos significativos:

  • Sistemas tecnológicos: Unificação de plataformas diferentes
  • Culturas corporativas: Alinhamento entre equipes do iFood e Alelo
  • Retenção de talentos: Manutenção de profissionais-chave durante a transição
  • Migração de clientes: Risco de perda de usuários durante o processo

Mudanças Regulatórias

O setor de benefícios está passando por transformações regulatórias significativas, incluindo a implementação da interoperabilidade e portabilidade. Essas mudanças podem impactar o modelo de negócios tradicional e reduzir as vantagens competitivas históricas do setor.

O Contexto Competitivo Mais Amplo

Pressão no Core Business

A aquisição da Alelo também deve ser vista no contexto das pressões crescentes que o iFood enfrenta em seu negócio principal de delivery:

  • 99Food retornou ao mercado com taxa zero para restaurantes
  • Meituan, gigante chinesa de delivery, planeja entrada no Brasil
  • Rappi zerou taxas para competir mais agressivamente
  • CADE proibiu acordos de exclusividade com restaurantes em 2023

Essa pressão competitiva torna ainda mais estratégica a diversificação para outros segmentos, especialmente um mercado defensivo como o de benefícios corporativos.

A Visão de Longo Prazo

Para o iFood, a aquisição da Alelo representa uma aposta no futuro dos serviços financeiros integrados. A empresa visualiza um ecossistema onde os usuários podem:

  • Receber benefícios corporativos via Alelo
  • Fazer pedidos de delivery via iFood
  • Utilizar serviços bancários via iFood Pago
  • Acessar crédito e outros produtos financeiros

Essa integração vertical pode criar sinergias significativas e aumentar o lifetime value dos clientes, justificando o investimento bilionário.

Implicações para o Mercado de Trabalho

Benefícios para os Trabalhadores

Se bem executada, a operação pode trazer benefícios significativos para os 25 milhões de trabalhadores brasileiros que utilizam benefícios corporativos:

  • Maior aceitação: Rede credenciada mais ampla
  • Inovação tecnológica: Plataforma digital mais avançada
  • Integração de serviços: Experiência unificada entre benefícios e delivery
  • Competição: Pressão sobre concorrentes para melhorar serviços

Riscos de Concentração

Por outro lado, a concentração excessiva pode trazer riscos:

  • Menor competição: Redução de opções para empresas contratantes
  • Poder de precificação: Capacidade de aumentar taxas sem concorrência adequada
  • Dependência: Risco de falhas sistêmicas em um player dominante

O Papel dos Bancos Vendedores

Estratégia do Bradesco e Banco do Brasil

Para o Bradesco e Banco do Brasil, controladores da Alelo, a venda representa uma oportunidade de monetizar um investimento maduro e focar recursos em suas atividades principais. Ambos os bancos têm enfrentado pressões por eficiência e podem usar os recursos da venda para:

  • Investir em transformação digital
  • Fortalecer operações de crédito
  • Expandir em fintechs e novos negócios
  • Retornar capital aos acionistas

Negação Oficial e Jogo de Bastidores

Embora tanto o Bradesco quanto o Banco do Brasil tenham negado ter recebido “proposta formal ou documento assinado”, fontes do mercado indicam que as conversas estão avançadas e vêm sendo conduzidas há alguns meses. Essa postura é típica em negociações de grande porte, onde as partes mantêm discrição até que os termos estejam mais definidos.

Cronograma e Próximos Passos

Expectativas de Timing

Considerando a complexidade da operação e as aprovações necessárias, o cronograma mais provável seria:

  • 3º trimestre 2025: Finalização das negociações e anúncio oficial
  • 4º trimestre 2025: Submissão aos órgãos reguladores
  • 1º semestre 2026: Aprovações e fechamento da operação

Fatores Críticos de Sucesso

O sucesso da operação dependerá de diversos fatores:

  1. Aprovação do CADE: Convencer os reguladores de que a operação não prejudica a concorrência
  2. Integração tecnológica: Unificar sistemas sem interrupção de serviços
  3. Retenção de clientes: Manter a base de usuários durante a transição
  4. Realização de sinergias: Capturar os benefícios esperados da integração

Conclusão: Uma Aposta no Futuro dos Serviços Financeiros

A negociação entre iFood e Alelo representa muito mais do que uma simples aquisição. É uma aposta audaciosa no futuro dos serviços financeiros integrados no Brasil, onde as fronteiras entre delivery, pagamentos, benefícios e serviços bancários se tornam cada vez mais tênues.

Para o iFood, a operação oferece a oportunidade de resolver problemas regulatórios, diversificar receitas e construir um ecossistema verdadeiramente integrado. Para a Prosus, representa mais um passo na construção de um império digital na América Latina. Para o mercado brasileiro, pode significar uma nova era de inovação e competição no setor de benefícios.

Os próximos meses serão cruciais para determinar se essa visão ambiciosa se tornará realidade ou se os desafios regulatórios e operacionais impedirão a concretização do que seria uma das maiores transformações do mercado financeiro brasileiro nos últimos anos.

Uma coisa é certa: independentemente do desfecho, a simples possibilidade desta operação já está forçando todo o setor a repensar estratégias e se preparar para um futuro onde a integração de serviços e a experiência do cliente serão os principais diferenciais competitivos.

O mercado de benefícios corporativos brasileiro, com seus R$ 150 bilhões anuais e 25 milhões de usuários, nunca mais será o mesmo. E talvez essa seja exatamente a transformação que o setor precisava para entrar definitivamente na era digital.

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