Freelancers e informais: liberdade ou risco para seu restaurante?
A rotina agitada de bares, pizzarias, lanchonetes e restaurantes exige agilidade, improviso e, muitas vezes, reforço na equipe em momentos críticos. Em feriados, fins de semana e eventos, é comum a contratação de pessoas para “quebrar um galho” — muitas vezes, sem contrato formal ou registro em carteira. A prática parece inofensiva, mas pode se transformar em uma armadilha jurídica silenciosa e pode custar caro, muito caro.
A contratação informal de “freelancers” ou mesmo MEIs disfarçados de empregados tem sido uma das maiores fontes de passivos trabalhistas no setor de bares, pizzarias e lanchonetes. E agora, com o Tema 1389 em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), a atenção precisa ser redobrada. A informalidade está por um fio — e ignorar isso pode ser o maior erro estratégico da gestão do seu restaurante.
O que é vínculo empregatício e quando ele se forma
Inicialmente é fundamental esclarecer que o que define a existência de um vínculo de emprego não é o nome que se dá a atividade ou ao contrato, mas sim a realidade da prestação de serviço. A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, em seus artigos 2º e 3º, estabelece cinco requisitos para configurar um vínculo empregatício:
- Pessoalidade: o trabalho é executado pelo próprio contratado, ou seja, ele não pode enviar outra pessoa em seu lugar.
- Habitualidade: o serviço é prestado com frequência, não de forma eventual.
- Onerosidade: há remuneração pelo serviço.
- Pessoa física: o prestador não é uma empresa, e sim um indivíduo.
- Subordinação: o trabalhador está sujeito a ordens e controle do empregador.
Se esses cinco elementos estiverem presentes, o vínculo é de emprego, independentemente do nome dado ao acordo. Chamá-lo de “freelancer” ou “prestador” não impede que a Justiça reconheça a relação como empregatícia.
Tema 1389 do STF: Suspensão nacional de ações, mas sem autorização irrestrita
Em abril de 2024, o Ministro Gilmar Mendes, relator do Tema 1389 da Repercussão Geral, determinou a suspensão nacional de todos os processos judiciais, individuais ou coletivos, que discutam a validade da contratação por pessoa jurídica ou como autônomo em substituição ao vínculo celetista.
Essa medida tem como objetivo permitir que o STF analise, à luz dos princípios constitucionais da livre iniciativa e da autonomia privada, a validade dessas formas de contratação. Contudo, trata-se de suspensão de processos em andamento, e não de autorização para a prática irrestrita da contratação informal de autônomos, “freelancers” ou mesmo MEIs. Portanto, ainda que o julgamento final possa sinalizar uma flexibilização, a legislação atual continua plenamente em vigor, e ações futuras poderão ser ajuizadas e processadas após a decisão definitiva, com possível modulação de efeitos. A cautela é indispensável. O risco jurídico, portanto, ainda não é apenas teórico — é real, iminente e crescente para o seu restaurante.
Os prejuízos da informalidade: as formas mais comuns de contratação irregular
Empresários do setor de alimentação devem estar cientes das armadilhas da informalidade. As formas mais comuns de contratação irregular incluem:
- Freelancer sem contrato: muito comum em eventos e períodos de alta demanda. Ocorre sem qualquer formalização. Se houver habitualidade e subordinação, há risco alto de reconhecimento de vínculo.
- Uso indevido do MEI: empresas contratam microempreendedores individuais para funções que exigem subordinação, como cozinheiros, garçons ou atendentes. Isso fere a finalidade do MEI e pode ser considerado fraude, nos termos do Artigo 9º da CLT.
- Contratos genéricos ou de fachada: muitas vezes, redige-se um contrato de “prestação de serviço”, mas o trabalhador atua como empregado típico, com horários fixos e chefia direta.
- Ajuda familiar ou informal contínua: mesmo sem remuneração, a prestação contínua de serviços por amigos ou familiares, com subordinação, pode gerar obrigações trabalhistas.
As consequências jurídicas e financeiras para o empresário
Empresários que mantêm vínculos informais se expõem a riscos sérios, como:
- Reconhecimento judicial do vínculo: o trabalhador pode ingressar com ação e exigir todos os direitos de um empregado regular: salário, férias, 13º, FGTS, horas extras, adicional noturno, etc.
- Multas por ausência de registro: a fiscalização do Ministério do Trabalho aplica penalidades que podem ultrapassar R$ 3 mil por empregado não registrado.
- Condenações judiciais elevadas: a depender do tempo de serviço, a condenação pode ultrapassar R$ 100 mil, considerando reflexos em verbas trabalhistas e contribuições previdenciárias.
- Impacto na reputação e gestão: processos trabalhistas em série comprometem a imagem da empresa e aumentam a rotatividade de funcionários.
Como manter flexibilidade e segurança ao mesmo tempo
Considerando a necessidade de agilidade que o setor de alimentação necessita e para tentar equilibrar velocidade e segurança com modelos legais em vigor que garantem proteção ao empresário e ao trabalhador, temos as possíveis e principais soluções para a contratação de funcionários:
a) Contrato intermitente (CLT, art. 443)
Ideal para garçons, auxiliares e atendentes chamados apenas em datas específicas. O trabalhador é registrado, mas só recebe pelos dias efetivamente trabalhados. Direitos como FGTS e INSS são recolhidos proporcionalmente. Excelente para períodos de pico.
b) Contrato por prazo determinado
Para reforços sazonais (verão, festas, datas comemorativas). Deve conter início, término e finalidade clara. Tem validade legal e evita surpresa judicial.
c) Registro CLT tradicional
Para funções fixas, como cozinheiros, caixas e gerentes. O custo é previsível e menor do que os riscos da informalidade, e dependendo da Convenção Coletiva de Trabalho da Localidade é possível a adoção do salário hora. Além disso, melhora o engajamento da equipe e reduz a rotatividade.
Contratar certo é mais do que cumprir a lei — é estratégia para seu restaurante
Profissionais regularizados são mais motivados, entregam mais, permanecem mais tempo na empresa. O ambiente de trabalho melhora, e os processos internos ganham estabilidade. Em um mercado competitivo como o de alimentação, quem cuida bem da equipe constrói um diferencial duradouro.
Evitar a informalidade também abre portas: acesso a crédito, possibilidade de participar de licitações, franquias, parcerias e certificações. São conquistas que exigem conformidade legal.
Por fim, uma assessoria especializada trabalhista preventiva pode ajudar a mitigar os riscos, implementando práticas formais e legais, evitando o impacto financeiro e emocional de uma reclamação trabalhista.
Vale a reflexão: a equipe do seu restaurante está dentro da lei ou dentro de um risco invisível?
Este conteúdo foi produzido por Christiane Araujo, colunista convidada do Mundo Food Service. A autora responde integralmente pela apuração, redação e curadoria das informações aqui apresentadas.
Advogada Trabalhista Empresarial, com ampla experiência no setor de alimentação. Pós-graduada em: Direito Civil e Direito Processual Civil, Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho e Direito Empresarial. Mentora Jurídica. Membra das Comissões de Direito do Trabalho da OAB/Barra da Tijuca e de Mentoria Jurídica da OAB/DC. Membra da Comissão de Direito do Trabalho da ABA/RJ. Colaboradora da Comissão de Direito do Trabalho da OAB/DC. Sócia fundadora do Escritório Christiane Araujo Advocacia Trabalhista Empresarial.
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